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Igor Miguel

Livre Só, Livre Junto

Como peixes no oceano, muitas vezes não percebemos o quanto o meio em que vivemos influencia profundamente nossas escolhas e comportamentos. Qual é a "temperatura" de nosso mar hoje? Por razões históricas que não cabe aqui detalhar, nascemos e crescemos em um mundo que oferece amplas liberdades. De fato, acordamos com um horizonte de possibilidades à nossa frente — ao menos, é isso que nossa cultura nos faz acreditar.


Se você é ocidental, saiba que foi criado em uma cultura que supervaloriza as liberdades e os direitos individuais. A oferta parece tentadora, não é? No entanto, a conta chega: cansaço e ansiedade.


Somos educados a acreditar que o mundo pode ser ajustado, moldado, consumido e recriado à imagem de nosso desempenho. Esperamos que a vida funcionará bem, desde que a organizemos tal qual organizamos os aplicativos em nossos dispositivos. Tornamo-nos viciados em customização e personalização da vida.


Esse vício em customização nos ilude ao nos fazer crer que é possível conformar pessoas, relações, oportunidades e até o mundo às nossas escolhas e ambições. A consequência psicológica é a sensação persistente de que quem está por perto é sempre um aliado ou um adversário dos nossos sonhos.


Na ilusão de disputar por sucesso e realização, transferimos a jovens que se aproximam da vida adulta o fardo de que tudo depende de escolhas individuais. No final, tudo parece depender deles: a faculdade certa, a carreira certa, o relacionamento certo, o estilo de vida certo e estar sempre "certo" aos olhos dos outros.


Nesse ponto, a liberdade antes paradisíaca começa a adquirir contornos infernais. Qualquer pessoa que já tenha sentido essa angústia sabe o poder que isso tem de nos lançar em uma vida frenética ou em uma procrastinação paralisante e deprimente.


No fim, o individualismo nos entrega uma vida barulhenta, vertiginosa, solitária, cansativa e ansiosa. O que mais encontramos são pessoas vivendo como Sísifo, o rei de Corinto da mitologia grega, que, ao desejar uma vida independente das divindades, foi condenado à tarefa eterna de rolar uma grande pedra montanha acima. Sempre que Sísifo alcançava o topo, a pedra rolava de volta à base, e ele reiniciava o trabalho incessante. Esse era o inferno de Sísifo — e pode ser o seu também.


O psicólogo social Jonathan Haidt, em seu livro Geração Ansiosa, destaca a importância das comunidades, especialmente as tradicionais e religiosas, na criação de uma rede de sabedoria e inteligência coletiva, funcionando como uma ilha de estabilidade diante do turbilhão de incertezas oferecido por uma vida atomizada, hiper-individualista e sem sustentação social.


Na comunidade cristã, por exemplo, encontro uma história maior do que a minha. Nela, recebo uma identidade que não é construída, mas concedida. Me insiro em um drama comunitário, pertenço a um corpo, sem sacrificar minha singularidade. Minha vida se entrelaça com diversas outras histórias. Na igreja, sou tecido junto a outras existências, tendo como destino comum o florescimento de uma comunidade que reflete Deus na terra. Descubro que, mais do que me salvar, Deus está constituindo um povo, uma família, e que meus dons e habilidades devem servir a algo maior que "eu".


Na igreja, aprendo que Jesus não veio ao mundo para ser servo da minha mediocridade e arrogância, nem para que eu use as pessoas para meus próprios fins. Cristo veio para me salvar de mim mesmo, para me conduzir pela correnteza do seu amor em uma "jornada inesperada", marcada pela providência e cercada por mãos, gestos de amor, dons, serviço, encorajamento e, por fim, uma vida após a vida.


Observe, não que a igreja seja uma ameaça à liberdade; pelo contrário, ela oferece as condições para uma liberdade mais sólida e duradoura. Como expressa um antigo provérbio africano: "Quer ir rápido? Vá sozinho. Quer ir longe? Vá acompanhado." O ambiente comunitário oferece o contexto necessário para exercer a verdadeira liberdade, ao mesmo tempo em que mantém a ansiedade sob controle. Na igreja, tomamos decisões com mais clareza, amparados pela caridade cristã, aprendemos uns com os outros e nos inserimos, como comunidade, na grande história de Deus. A igreja, de certa forma, nos oferece um saudável senso de proporção pessoal, permitindo que nos enxerguemos de maneira equilibrada, nem mais nem menos do que realmente somos.


Por fim, se por um lado, comunidades religiosas podem ser palco de abusos, não pense que mergulhar em um projeto de expressão individual tornará sua vida mais segura e feliz. Envolver-se em uma comunidade é um bom risco, por causa do grande potencial de retorno existencial. Então, considere que há descanso e companhia à sua espera aqui. Sempre há uma igreja onde pessoas buscam viver isso de verdade. Não deixe o ruído de algumas árvores podres que caem ensurdecer você para as centenas que crescem silenciosamente, oferecendo sombra abundante e descanso para suas jornadas.

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